TEDH, 5.ª Secção, Jirová e Outros c. República Checa, Queixa n.º 66015/17, Acórdão de 13 de abril de 2023

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CEDH, Artigo 8.º § 1, Direito à reunificação familiar.

CEDH, alegação de violação do art.º 8.º § 1 da CEDH, em razão da separação de uma criança, desde o seu primeiro ano de idade separada dos pais, dos seus cuidadores informais. Não violação.    

Enquadramento do caso.

Uma criança de frágil condição de saúde foi definitivamente separada dos pais biológicos com um ano de idade e veio a ser, aos 6 anos, colocada, numa família de acolhimento, na qualidade de cuidadores informais. Com 13 anos de idade, a Administração da Saúde resolveu separá-la definitivamente destes cuidadores, em razão, para além da ausência de laço biológico com esta criança, da instabilidade emocional que esta colocação provocava na mesma.   

Os factos.

A criança foi colocada em instituição com um ano de idade, por o seu pai ser incógnito, e a sua mãe não ser capaz de velar pela mesma. De frágil saúde foi se desenvolvendo em instituição até aos seis anos de idade, altura em que foi colocada numa família, um casal, de cuidadores informais. Estas pessoas sendo instáveis (a mulher enfermando de múltiplos desequilíbrios, e o marido sendo um fundamentalista ecológico, que assentou o seu preconceito em factos que considerou provados, o que impedia o desenvolvimento equilibrado da criança em torno da realidade contemporânea), provocaram défice de atenção e hiperatividade na mesma, indo ao ponto de lhe prejudicar as faculdades cognitivas. A criança tinha, de resto, uma representação negativa destes cuidadores, pois conseguiu testemunhar-se uma fuga da mesma, bem-sucedida, destes cuidadores, num percurso para a escola, onde encontrava o apoio e a serenidade necessários à prossecução do seu iter estudantil.

O Direito.

No plano da admissibilidade, a queixa foi admitida, após o TEDH ter examinado o quadro legal nacional e as disposições internacionais (o chamado direito universal, composto pela Carta internacional dos Direitos Humanos, no plano das N.U., em particular a Convenção de 1989 sobre os Direitos da Criança, apesar das objeções do Governo relativamente ao esgotamento prévio do recurso).

No tocante ao mérito da questão, o TEDH procedeu ao seu teste de compatibilidade da medida com a CEDH (a saber, se houve interferência num direito, neste caso, o constante do art.º 8.º § 1 da CEDH, legítima, legal e previsível, bem como proporcional, da parte do Estado). Concluiu ter existido uma interferência, que atingiu a vida privada e familiar daquela célula de pessoas, com relevância para a aplicação do art.º 8.º § 1, da CEDH. No tocante à legalidade, esta medida está prevista na lei e prossegue um fim legítimo, qual seja, o da proteção das crianças; estando a sua previsibilidade assegurada, na medida em que todos sabem que a reunificação familiar irá ceder perante o melhor interesse da criança, se esta prioridade for estabelecida; colocando-se neste momento, a questão da sua necessidade numa sociedade democrática, ou seja, da sua proporcionalidade (enquanto o chamado teste de Convencionalidade é a resposta a todo este conjunto de perguntas, a específica resposta à questão da necessidade da medida numa sociedade democrática, é o chamado teste de proporcionalidade, na linguagem do TEDH).

À luz de tudo o que examinou, e que se deixou aflorado acima nesta divulgação, o TEDH entendeu que a medida de remoção da guarda da criança, destes cuidadores informais, é válida, à luz da Convenção europeia, ou seja, além de justificada pelo relevante interesse público, estatuído na lei e de consequências previsíveis, a medida é proporcional, pois é necessária numa sociedade democrática, à luz do valor da dignidade humana da criança. Não ofende, com efeito, o princípio da relação adequada entre o meio acionado e o seu fim (a Verhältnismässigkeit dos alemães), pelo que não se regista a violação do art.º 8.º § 1 da CEDH, o direito à vida privada e familiar, avaliado segundo o melhor interesse da criança, constante da Convenção sobre os direitos da criança de 1989.

O interesse deste Acórdão está na sua relativa novidade (pelo menos para o modesto leitor e acompanhante assíduo desta jurisprudência), no sentido de se tratar de uma criança já institucionalizada com um ano de idade. É possível que a intervenção da Segurança Social, neste caso, lhe tenha salvado então a vida. Trata-se de uma criança que ficou em meio público, totalmente público, até aos seis anos de idade (o que representa uma etapa longa no desenvolvimento da criança e nas perceções desta), sendo que a sua colocação à guarda destes cuidadores informais, a terá, certamente, prejudicado. Por esta razão, esta jurisprudência do TEDH, vem facultar um recorte negativo para o quadro jurisprudencial constante (a Ständige Rechtssprechung dos alemães) deste Tribunal, claramente oposto à divisão familiar, em prejuízo da regra da reunificação familiar.

Este Acórdão foi votado por unanimidade, sem opiniões concordantes ou concordantes parciais,


Autor: Paulo Marrecas Ferreira

Fonte: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos