Sistema das Nações Unidas: Órgãos dos Tratados
Comités de peritos independentes criados por cada um dos nove principais tratados de direitos humanos da ONU a fim de controlar a aplicação das disposições de tais tratados pelos respetivos Estados Partes. Não têm jurisdição sobre Estados não Partes no tratado que monitorizam.
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Comité dos Direitos da Criança
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Tratados-base
Convenção sobre os Direitos da Criança | Estados Partes (UN Treaty Collection)
Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Participação de Crianças em Conflitos Armados | Estados Partes (UN Treaty Collection)
Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil | Estados Partes (UN Treaty Collection)
Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança Relativo à Instituição de Um Procedimento de Comunicação | Estados Partes (UN Treaty Collection)
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Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC): conteúdo
Adotada a 20 de novembro de 1989 e entrada em vigor em tempo recorde, a 2 de setembro do ano seguinte, a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) é, hoje, o tratado de direitos humanos com mais elevado número de Estados Partes (196, até final de 2017) e o “parâmetro universal de proteção e promoção dos direitos da criança”.
Definindo “criança” como “todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo”, a CDC baseia-se em quatro princípios fundamentais: não discriminação (CDC, art.º 2.º), interesse superior da criança (art.º 3.º), direito da criança à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento e (CDC, art.º 6.º) e respeito pelas opiniões da criança (CDC, art.º 12.º).
São impostas aos Estados Partes diversas obrigações de índole geral, como: respeitar e garantir os direitos previstos, sem discriminação (CDC, art.º 2.º, n.º 1); proteger as crianças contra a discriminação ou sanções decorrentes da situação jurídica, atividades, opiniões ou convicções de seus pais, representantes legais ou outros membros da família (CDC, art.º 2.º, n.º 2); tomar todas as medidas necessárias à realização dos direitos reconhecidos (no caso de direitos económicos, sociais e culturais, no limite máximo dos seus recursos disponíveis e, se necessário, no quadro da cooperação internacional) (CDC, art.º 4.º); respeitar as responsabilidades, direitos e deveres dos pais, representantes legais, membros da família e da comunidade (CDC, art.º 5.º); e divulgar a Convenção (CDC, art.º 42.º).
A Convenção consagra e reconhece a todas as crianças, designadamente, os seguintes direitos:
Direito à vida, sobrevivência e desenvolvimento (CDC, art.º 6.º);
Direito ao registo imediatamente após o nascimento, a um nome e a uma nacionalidade (CDC, art.º 7.º);
Direito a conhecer os pais e a ser educada por eles, sempre que possível (CDC, art.º 7.º);
Direito à identidade, incluindo nacionalidade, nome e relações familiares (CDC, art.º 8.º);
Direito a não ser separada dos pais contra a vontade destes, salvo se tal for necessário no interesse superior da criança (CDC, art.º 9.º, n.º 1);
Direito à reunificação familiar (CDC, art.º 10.º);
Combate à deslocação e retenção ilícitas de crianças no estrangeiro (CDC, art.º 11.º);
Direito a ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe digam respeito e a que a sua opinião seja devidamente tida em conta “de acordo com a sua idade e maturidade” (CDC, art.º 12.º);
Liberdades de expressão, pensamento, consciência, religião, associação e reunião pacífica (CDC, artºs 13.º a 15.º);
Direito à proteção da vida privada, família, domicílio ou correspondência e proteção contra “ofensas ilegais” à honra ou reputação (CDC, art.º 16.º);
Direito de acesso à informação (CDC, art.º 17.º);
Responsabilidade primacial e comum dos pais na educação e desenvolvimento das crianças (CDC, art.º 18, n.º 1);
Direito das crianças privadas do seu ambiente familiar a proteção e assistência especial (CDC, art.º 20.º);
Interesse superior da criança como consideração primordial nos processos de adoção (CDC, art.º 21.º);
Direitos das crianças refugiadas (CDC, art.º 22.º);
Direitos da criança com deficiência física ou mental (CDC, art.º 23.º);
Direito à saúde e assistência médica (CDC, art.º 24.º);
Direito da criança institucionalizada à revisão periódica do tratamento e da colocação (CDC, art.º 25.º);
Direito à segurança social (CDC, art.º 26.º);
Direito a um nível de vida suficiente (CDC, art.º 27.º);
Direito à educação e fins da educação (CDC, artºs 28.º e 29.º);
Direito das crianças pertencentes a minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, ou de origem indígena, a usufruir da sua própria cultura, religião e língua (CDC, art.º 30.º);
Direito ao repouso e a tempos livres – direito de brincar (CDC, art.º 31.º);
Prevenção do rapto, venda e tráfico de crianças (CDC, art.º 35.º);
Direito à proteção contra todas as formas de violência e maus tratos (CDC, art.º 19.º), exploração económica e trabalhos perigosos (CDC, art.º 32.º), consumo ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas (CDC, art.º 33) e todas as formas de exploração e violência sexuais (CDC, art.º 34.º).
Direito da criança vítima de negligência, exploração ou sevícias a medidas adequadas para promover a sua recuperação física e psicológica e reinserção social (CDC, art.º 39.º);
Direitos da criança na administração da justiça: proibição da tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, incluindo a pena de morte (CDC, art.º 37.º, alínea a)) e da privação de liberdade ilegal ou arbitrária (CDC, art.º 37.º, alínea b)); tratamento humano das crianças privadas de liberdade (CDC, art.º 37.º, alínea c)); salvaguardas jurídicas no contexto da privação de liberdade (CDC, art.º 37.º, alínea d)); e princípios de justiça de jovens, incluindo o estabelecimento de uma idade mínima de imputabilidade penal (CDC, art.º 40.º);
Respeito das normas de direito internacional humanitário nas situações de conflito armado (CDC, art.º 38.º, n.º 1);
Idade mínima de recrutamento militar e participação nas hostilidades: 15 anos (CDC, art.º 38.º);
Incorporação de crianças entre os 15 e os 18 anos: prioridade aos mais velhos (CDC, art.º 38.º, n.º 3).
Nos artigos 43.º e seguintes, a Convenção estabelece o Comité dos Direitos da Criança como órgão de monitorização e define as respetivas competências.
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Protocolo Facultativo relativo à Participação de Crianças em Conflitos Armados (PF-Conflitos Armados): conteúdo
Este Protocolo Facultativo – adotado a 25 de maio de 2000 e entrado em vigor a 12 de fevereiro de 2002 – destina-se a reforçar a proteção conferida pelo art.º 38.º da Convenção, designadamente elevado para 18 anos a idade de incorporação compulsiva nas forças armadas estaduais e participação direta nas hostilidades (PF-Conflitos Armados, artºs 1.º e 2.º). Os Estados Partes obrigam-se ainda a, nomeadamente, elevar a idade mínima de recrutamento voluntário para mais de 15 anos (PF-Conflitos Armados, art.º 3.º, n.º 1) e a garantir que o consentimento prestado por menores de 18 anos é “inequivocamente voluntário” e realizado “com o consentimento esclarecido dos pais ou representantes legais do interessado”, estando as crianças plenamente informadas dos deveres que decorrem do serviço militar e apresentando “prova fiável” da respetiva idade antes da aceitação no serviço militar. No momento da ratificação ou adesão, cada Estado parte deverá depositar uma declaração vinculativa indicando qual a idade mínima para este efeito e garantias aplicáveis (PF-Conflitos Armados, art.º 3.º).
Relativamente aos grupos armados não estaduais, estabelece-se a proibição absoluta do recrutamento ou utilização de crianças em hostilidades (PF-Conflitos Armados, art.º 4.º).
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Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil (PF-Venda de Crianças): conteúdo
Este Protocolo Facultativo foi adotado a 25 de maio 2000 (em simultâneo com o Protocolo relativo à Participação de Crianças em Conflitos Armados) e entrou em vigor a 18 de janeiro de 2002.
O tratado obriga os Estados Partes a proibir e criminalizar as práticas da venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil (PF-Venda de Crianças, artºs 1.º e 3.º), conforme definidas no Protocolo (PF-Venda de Crianças, art.º 2.º), com penas adequadas. Os Estados Partes ficam igualmente obrigados a estabelecer a sua jurisdição sobre os delitos em causa (PF-Venda de Crianças, art.º 4.º) e a prestarem-se mutuamente assistência e cooperação internacional nas investigações e processos penais ou outros instaurados relativamente aos mesmos delitos (PF-Venda de Crianças, artºs 5.º a 7.º).
Obrigam-se ainda a adotar medidas adequadas para proteger as crianças vítimas (PF-Venda de Crianças, art.º 8.º) e auxiliar na respetiva recuperação física e psicológica, reinserção social e repatriamento (PF-Venda de Crianças, art.º 10.º, n.º 2). É igualmente obrigatória a adoção de medidas para prevenir os referidos fenómenos (PF-Venda de Crianças, art.º 9.º) e combater as suas causas profundas (PF-Venda de Crianças, art.º 10.º, n.º 3).
Em setembro de 2019, o Comité dos Direitos da Criança adotou um conjunto de Diretrizes sobre a aplicação deste Protocolo Facultativo (CRC/C/156).
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Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança Relativo à Instituição de Um Procedimento de Comunicação (PF-Comunicações): conteúdo
Adotado a 19 de dezembro de 2011 e entrado em vigor na ordem internacional a 14 de abril de 2014, este Protocolo Facultativo visa dotar o Comité dos Direitos da Criança de competências idênticas às de que dispõem os restantes comités dos tratados de direitos humanos das Nações Unidas, designadamente para os seguintes efeitos:
Apreciação de queixas apresentadas por particulares que se considerem vítimas de violação das disposições da Convenção (PF-Comunicações, artºs 5.º a 11.º);
Apreciação de queixas interestaduais (PF-Comunicações, art.º 12.º);
Instauração de inquéritos confidenciais em caso de suspeita de violações graves ou sistemáticas da Convenção (PF-Comunicações, artºs 13.º e 14.º).
No exercício destas competências, o Comité deve guiar-se pelo princípio do superior interesse da criança, devendo também ter em consideração os direitos e as opiniões da criança, atribuindo a essas opiniões o devido peso, em função da respetiva idade e grau de maturidade (PF-Comunicações, art.º 2.º).
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Criação
O Comité dos Direitos da Criança foi criado pelo artigo 43º da Convenção sobre os Direitos da Criança.
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Composição
Dezoito "peritos de alta autoridade moral e de reconhecida competência no domínio abrangido pela […] Convenção" (CDC, art.º43.º, n.º 2).
O número inicial de membros do Comité previsto neste artigo (dez) foi elevado para 18 após a entrada em vigor – a 18 de novembro de 2002 – de uma emenda aprovada pela Assembleia Geral na sua resolução 50/155, de 21 de dezembro de 1995. Este aumento do número de membros do Comité justificou-se devido, nomeadamente, ao grande volume de trabalho do Comité resultante do elevado número de Estados Partes na Convenção, ao facto de esta abranger um vasto leque de direitos (tanto os chamados direitos civis e políticos como os direitos económicos, sociais e culturais) e à aprovação dos três Protocolos Facultativos. Composição atual.
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Eleição e substituição dos membros
Os peritos são eleitos pelos Estados Partes na CDC, por escrutínio secreto, de entre os seus nacionais. Os mandatos têm a duração de quatro anos, mas a cada dois anos são eleitos metade dos membros do Comité, em reuniões de Estados Partes para o efeito convocadas pelo Secretário-Geral da ONU. Isto permite assegurar a continuidade dos trabalhos em curso, dado que os novos membros entretanto eleitos poderão sempre beneficiar da experiência dos mais antigos, afastando a possibilidade de alterações bruscas e disruptivas na composição do Comité. Os membros podem ser reeleitos, se novamente propostos.
Pelo menos quatro meses antes da data de cada eleição, o Secretário-Geral das Nações Unidas convida os Estados Partes a proporem os seus candidatos; em seguida, comunica a lista de candidatos aos restantes Estados Partes. São eleitos os candidatos que obtiverem o maior número de votos e a maioria absoluta dos votos dos representantes dos Estados Partes presentes e votantes. Segundo a Convenção, deve ser tida em consideração a necessidade de assegurar uma repartição geográfica equitativa e a representação dos principais sistemas jurídicos.
Em caso de impossibilidade de qualquer dos membros de cumprir a totalidade do seu mandato, o Estado que o designou nomeará um novo perito, de entre os seus nacionais, a quem caberá cumprir o remanescente do mandato, sob reserva de aprovação pelo Comité (CDC, art.º 43.º, nºs 3 a 7).
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Mandato e estatuto dos membros
Os mandatos têm a duração de quatro anos, podendo ser renovados. Uma vez eleitos, os membros do Comité não representam o Estado Parte que os propôs, exercendo funções a título pessoal (CDC, art.º 43.º, nºs 2 e 6).
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Competências
O Comité dos Direitos da Criança controla a aplicação, pelos Estados Partes, das disposições da Convenção sobre os Direitos da Criança através do exercício das seguintes competências: exame de relatórios dos Estados Partes sobre as medidas tomadas em cumprimento das obrigações impostas pela CDC e seus dois primeiros Protocolos Facultativos; elaboração de Comentários Gerais interpretativos das disposições da CDC ou de questões transversais por esta suscitadas; adoção de decisões contendo recomendações gerais; organização de debates temáticos sobre matérias abrangidas pela CDC; adoção de declarações substantivas; pedido de estudos; exame de queixas de particulares; exame de comunicações interestaduais; e instauração de inquéritos confidenciais em caso de suspeita de violações graves ou sistemáticas da Convenção.
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Métodos de trabalho
O Comité dos Direitos da Criança reúne atualmente em três sessões por ano, com a duração de três semanas cada. Cedo se percebeu que a reunião anual prevista no artigo 43.º, n.º 10 da CDC seria insuficiente, tendo o tempo de reunião vindo a ser sucessivamente alargado. Foi criado um grupo de trabalho pré-sessional para elaborar as listas de questões prévias ao exame dos relatórios estaduais (que reúne à porta fechada).
As reuniões realizam-se habitualmente em Genebra, sendo as despesas de funcionamento asseguradas pelo orçamento regular das Nações Unidas. O Secretariado do Comité é assegurado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que coloca à disposição dos membros toda a documentação considerada necessária, incluindo dossiers com informação sobre os países em análise.
O Comité elege a sua mesa por um período de dois anos (presidente, quatro vice-presidentes e um relator) e adota as suas regras de procedimento (CDC, art.º 43.º, nºs 8 e 9). Regras de procedimento específicas foram adotadas para o exame das queixas apresentadas ao abrigo do PF-Comunicações.
O Comité trabalha em estreita cooperação com as agências especializadas, UNICEF e outros organismos das Nações Unidas, designadamente no âmbito do exame dos relatórios estaduais, organização de dias de debate geral, contribuições para os Comentários Gerais e assistência na realização de visitas informais. Nos termos do artigo 45.º, alínea a) da Convenção, tais entidades podem fazer-se representar quando for apreciada a aplicação de disposições da Convenção que se inscrevam no respetivo mandato, designadamente pedindo para reunir à porta fechada com membros do Comité. Este pode ainda convidar tais organismos a apresentarem pareceres técnicos ou relatórios sobre a aplicação da Convenção nas respetivas áreas de atividade.
Nos termos do art.º 15.º do PF-Comunicações, o Comité pode ainda, com o consentimento do Estado Parte em causa, transmitir a tais entidades os seus pareceres ou recomendações sobre comunicações e inquéritos que indiquem uma necessidade de aconselhamento ou assistência técnicos, ou levar ao conhecimento das referidas agências especializadas ou outras entidades competentes qualquer questão resultante das comunicações analisadas que as possa ajudar a decidir, no âmbito da respetiva competência, sobre a conveniência da adoção de medidas internacionais suscetíveis de ajudarem os Estados Partes a progredirem no sentido da concretização dos direitos reconhecidos na Convenção e/ou seus Protocolos Facultativos.
As ONG desempenham um papel igualmente importante neste domínio, sendo sistematicamente convidadas a apresentar, individualmente ou em grupo, relatórios e outra informação e documentação para ajudar o Comité a avaliar a real situação no terreno. Se o tiverem feito, são também convidadas a participar no grupo de trabalho pré-sessional que reúne à porta fechada para preparar o exame dos relatórios, podendo ainda pedir para se reunir em privado com os membros do Comité. Este adotou “Diretrizes para a participação de parceiros (ONG e peritos individuais) no grupo de trabalho pré-sessional” (CRC/C/90, Annex VIII).
Em 2014, em homenagem ao direito da criança a ser ouvida previsto no art.º 12.º da CDC, o Comité adotou métodos de trabalho para a participação de crianças no processo de exame dos relatórios (CRC/C/66/2), admitindo a participação direta de crianças neste processo, das seguintes formas: fornecendo informação escrita, em nome próprio ou através de ONG, para informar a elaboração da lista de questões e o exame dos relatórios estaduais; fazendo exposições orais durante as reuniões do grupo de trabalho pré-sessional, reunindo privado com os membros do Comité durante as sessões do mesmo grupo de trabalho; participando por videoconferência; e participando nas sessões plenárias do Comité.
Nos termos do artigo 44.º, n.º 5 da Convenção, o Comité submete de dois em dois anos à Assembleia Geral, através do Conselho Económico e Social, um relatório das suas atividades.
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Exame de relatórios dos Estados Partes
Elaboração dos relatórios: nos termos do art.º 44.º, n.º 1 da Convenção, os Estados Partes comprometem-se a apresentar ao Comité relatórios sobre as medidas adotadas para dar aplicação aos direitos reconhecidos na Convenção e sobre os progressos realizados no gozo dos mesmos direitos. O relatório inicial deverá ser apresentado no prazo de um ano após a entrada em vigor da Convenção para o Estado Parte em causa; os relatórios periódicos, a cada cinco anos.
Os Estados Partes nos Protocolos Facultativos relativos à venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil e à participação de crianças em conflitos armados deverão apresentar ao Comité, no prazo de dois anos após a entrada em vigor de cada Protocolo na respetiva jurisdição, relatórios detalhados sobre as medidas por si adotadas para tornar efetivas as disposições do Protocolo em causa. Informações complementares serão incluídas nos relatórios periódicos do Estado Parte sobre a aplicação da Convenção ou, caso o Estado não seja Parte no tratado principal (o que, atualmente, só sucede com os EUA), a cada cinco anos.
Estes relatórios devem indicar os fatores e dificuldades que impeçam o cumprimento, pelos Estados Partes, das obrigações decorrentes da Convenção, assim como conter informações suficientes para dar ao Comité uma ideia precisa acerca da aplicação da Convenção no país em causa. Os relatórios periódicos devem também incluir informação detalhada sobre as medidas adotadas para dar seguimento às Observações Finais do Comité relativamente ao relatório precedente. Os relatórios devem ser acompanhados de cópias dos principais textos legislativos e decisões judiciais, bem como de dados estatísticos detalhados, indicadores neles referidos e pesquisa relevante sobre a matéria. Este material ficará à disposição dos membros do Comité. A informação quantitativa deverá indicar as variações ocorridas entre as várias regiões do país e grupos de crianças.
Com vista a ajudar os Estados na preparação dos relatórios, o Comité adotou Diretrizes sobre a Forma e o Conteúdo dos Relatórios, tanto iniciais como periódicos, assim como Diretrizes para a elaboração dos relatórios sobre o Protocolo Facultativo relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil e sobre o Protocolo Facultativo relativo à Participação de Crianças em Conflitos Armados.
O Comité deverá ainda ter em conta a informação constante do Documento Fundamental Comum (Common Core Document) que cada Estado deverá apresentar e manter atualizado junto do Secretariado, o qual contém informação geral sobre o Estado (caraterísticas demográficas, económicas, sociais e culturais; estrutura constitucional, política e jurídica; aceitação de normas internacionais de direitos humanos; enquadramento jurídico para a proteção dos direitos humanos a nível nacional; enquadramento para a promoção dos direitos humanos a nível nacional; processo nacional de preparação dos relatórios; e informação sobre não discriminação, igualdade e vias de recurso eficazes).
A Convenção exige aos Estados Partes que assegurem "aos seus relatórios uma larga difusão nos seus próprios países" (CDC, artigo 44.º, n.º 6).
Grupo de trabalho pré-sessional: após a receção do relatório e antes da sessão do Comité durante a qual o mesmo deverá ser examinado, o grupo de trabalho pré-sessional reúne-se em privado com agências e organismos do sistema das Nações Unidas, ONG, instituições nacionais de direitos humanos e outras entidades competentes que tenham fornecido informação adicional a propósito do relatório, a fim de elaborar uma “lista de questões” dirigida ao Estado Parte em causa.
Esta lista de questões permite ao governo preparar-se melhor para a discussão do relatório, dando-lhe uma indicação preliminar das questões que o Comité considera prioritárias para o debate e permite também ao Comité solicitar informação suplementar, que deverá ser antecipadamente fornecida por escrito, a tempo de ser traduzida. Porém, esta lista de questões não é exaustiva e o Comité adverte que não deve ser interpretada como limitando o tipo de questões e o leque de matérias que os membros do Comité poderão abordar durante a discussão oral do relatório.
Discussão dos relatórios: o Comité informará o Estado Parte interessado da data fixada para proceder ao exame do relatório e convida-o a enviar representantes, de preferência com experiência nas matérias cobertas pela Convenção e/ou detentores de cargos de chefia na administração pública nacional, e com capacidade de influenciar o processo decisório nacional, por forma a estimular um diálogo rico e construtivo entre o Comité e o Estado Parte.
Em média, o Comité examina nove relatórios por sessão, tendo em conta a ordem cronológica da respetiva apresentação, mas privilegiando os Estados Partes cujos relatórios iniciais registem maior atraso. O Comité dedica um dia (duas reuniões de três horas cada) a cada relatório, mais duas a três horas no final de cada sessão à discussão, à porta fechada, de cada conjunto de Observações Finais.
Dois dos membros do Comité são nomeados “relatores de país”, orientando o debate com a delegação nacional. Os relatórios são discutidos em público, em reuniões onde só intervêm membros do Comité e representantes do Estado Parte. Após uma breve apresentação do relatório pelo chefe da delegação, durante a qual pode ser feito um resumo das mais recentes alterações legislativas e políticas verificadas no país entre o momento da elaboração do relatório e a respetiva discussão, tem início um debate interativo, com os relatores por país a apresentarem um resumo breve do estado de realização dos direitos da criança no país em causa. Depois, o Estado é convidado a comentar as matérias identificadas na lista de questões elaborada pelo Comité, podendo os peritos solicitar esclarecimentos e colocar questões adicionais. A discussão é organizada em torno de grupos (“clusters”) de direitos ou disposições da Convenção, de acordo com as Diretrizes do Comité.
No final da discussão, os relatores de país apresentam, resumidamente, as suas observações sobre o relatório e o debate realizado, podendo também fazer sugestões e recomendações. Por último, a delegação nacional é convidada a fazer uma intervenção final.
Observações Finais: após o debate com a delegação do Estado Parte, o Comité reúne à porta fechada para adotar as suas Observações Finais sobre o relatório. Estas têm, normalmente, a seguinte estrutura: introdução; aspetos positivos (incluindo progressos alcançados); fatores e dificuldades que impedem a implementação; principais preocupações; sugestões e recomendações dirigidas ao Estado Parte.
Caso o Comité considere que determinadas matérias necessitam de maiores esclarecimentos, é fixado um prazo para que o Estado Parte forneça informação adicional.
As Observações Finais são tornadas públicas no último dia da sessão do Comité, publicadas como documentos oficiais do Comité e integradas no relatório por este apresentado, de dois em dois anos, à Assembleia Geral das Nações Unidas. Dentro do espírito do artigo 44.º, n.º 6 da CDC, as Observações Finais devem ser amplamente divulgadas no Estado Parte em causa.
Seguimento das Observações Finais: as medidas adotadas para dar seguimento às sugestões e recomendações do Comité constantes das Observações Finais devem ser detalhadamente enunciadas no relatório periódico seguinte do Estado Parte. O Comité pode também decidir realizar uma visita informal ao território do Estado Parte, com o consentimento deste, a fim de acompanhar de perto a implementação das suas recomendações.
O Comité pode, nos termos do art.º 45.º, alínea b) da Convenção, transmitir às agências e organismos competentes, incluindo Alto Comissariado para os Direitos Humanos, UNICEF, OIT, UNESCO, OMS e Alto Comissariado para os Refugiados, quaisquer relatórios dos Estados Partes que contenham um pedido ou indiquem a necessidade de aconselhamento ou assistência técnica (tanto no que concerne ao processo de elaboração dos relatórios como aos programas de implementação), juntamente com as suas próprias observações e sugestões.
Os Estados podem pedir apoio ao Alto Comissariado para os Direitos Humanos, no âmbito do Programa de Serviços Consultivos e de Assistência Técnica, bem como à UNICEF, designadamente para efeitos de revisão da legislação interna, preparação dos relatórios e realização de atividades de educação, formação e seguimento. As Observações Finais do Comité são ainda difundidas junto de todos os organismos e agências competentes do sistema das Nações Unidas e outros, podendo servir de base a discussões na área da cooperação internacional.
Estados em falta: de acordo com a regra n.º 71 das Regras de Procedimento do Comité, o Secretário-Geral das Nações Unidas deve notificar o Comité sobre todos os casos de incumprimento, pelos Estados Partes, das obrigações relativas à apresentação de relatórios ou informação complementar. Nestes casos o Comité envia ao Estado Parte em causa um aviso sobre a matéria. Se, mesmo após este aviso, o incumprimento persistir, o Comité tomará as medidas que considere necessárias (podendo examinar a situação no Estado Parte na ausência de relatório) e referirá o caso no seu relatório bienal à Assembleia Geral. Em 2004, o Comité adotou recomendações que podem auxiliar os Estados com dificuldade em cumprir os prazos relativos à apresentação de relatórios, aplicáveis apenas uma vez e a título excecional (CRC/C/139).
Procedimento simplificado: respondendo ao apelo lançado pela Assembleia Geral da ONU em 2014, no sentido da adoção de procedimentos de reporte simplificados a fim de “reforçar e fomentar o funcionamento eficaz do sistema dos órgãos dos tratados de direitos humanos”, o Comité dos Direitos da Criança começará, a partir de junho de 2018, a disponibilizar um procedimento simplificado para os Estados Partes cujos relatórios periódicos devam ser examinados a partir de setembro de 2019.
Ao abrigo deste procedimento simplificado, o grupo de trabalho pré-sessional preparará e enviará ao Estado Parte uma Lista de Questões Prévia ao Relatório, composta, no máximo, por 30 perguntas. A resposta do Estado a esta Lista de Questões constituirá o seu relatório para efeitos do art.º 44.º da Convenção e dispensa o Estado, tanto da apresentação do relatório periódico como da resposta à lista de questões habitualmente elaborada pelo grupo de trabalho pré-sessional.
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Comentários Gerais
Nos termos da regra n.º 77 das Regras de Procedimento, o Comité prepara comentários gerais baseados nos artigos e disposições da Convenção, com o objetivo de promover a sua melhor aplicação e de assistir os Estados Partes no cumprimento das suas obrigações em matéria de elaboração de relatórios.
Os membros do Comité podem, a qualquer momento, propor a elaboração de um Comentário Geral relativo a determinado artigo, disposição ou tema da Convenção. Por vezes, a questão em causa foi já objeto de discussão num Dia de Debate Geral. Os projetos de Comentário Geral são geralmente partilhados com outros peritos, incluindo membros de outros comités dos tratados, para comentários.
Três dos Comentários Gerais foram adotados em conjunto com outros comités dos tratados de direitos humanos: o Comentário Geral n.º 18 (juntamente com o Comité CEDAW) e os Comentários Gerais nºs 22 e 23 (em conjunto com o Comité dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes).
Até final de 2017, o Comité dos Direitos da Criança tinha adotado os seguintes Comentários Gerais:
Comentário geral n.º 1 sobre os fins da educação (2001)
Comentário geral n.º 2 sobre o papel de Instituições Nacionais de Direitos Humanos Independentes na Proteção e Promoção dos Direitos da Criança (2002)
Comentário Geral n.º 3 sobre HIV/SIDA e direitos da criança (2003)
Comentário Geral n.º 4, sobre a saúde e o desenvolvimento dos adolescentes no contexto da Convenção sobre os Direitos da Criança (2003)
Comentário Geral n.º 5, sobre medidas gerais de aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança (2003)
Comentário Geral n.º 6, sobre o tratamento das crianças não acompanhadas e separadas fora do seu país de origem (2005)
Comentário Geral n.º 7/Rev.1, sobre a realização dos direitos da criança na primeira infância (2005)
Comentário Geral n.º 8, sobre o direito da criança à proteção contra os castigos corporais e outras formas de penas cruéis ou degradantes (2006)
Comentário Geral n.º 9, sobre os direitos das crianças com deficiência (2006)
Comentário Geral n.º 10, sobre os direitos da criança no âmbito da justiça de jovens (2007)
Comentário Geral n.º 11, sobre as crianças indígenas e os seus direitos ao abrigo da Convenção (2009)
Comentário Geral n.º 12, sobre o direito da criança a ser ouvida (2009) | Em português (tradução da AMCV)
Comentário Geral n.º 13, sobre o direito da criança a não ser sujeita a qualquer forma de violência (2011) | Em português (tradução da CNPDPCJ)
Comentário Geral n.º 14, sobre o direito da criança a que o seu interesse superior seja primacialmente tido em conta (2013) | Em português (tradução da CNPDPCJ)
Comentário Geral n.º 15, sobre o direito da criança ao gozo do melhor estado de saúde possível (artigo 24.º) (2013)
Comentário Geral n.º 16, sobre as obrigações do Estado relativamente ao impacto do sector empresarial nos direitos da criança (2013)
Comentário Geral n.º 17, sobre o direito da criança ao repouso, tempos livres, brincar, atividades recreativas, vida cultural e artística (2013)
Comentário Geral n.º 18, sobre práticas nocivas (2014) – em conjunto com o Comité CEDAW
Comentário Geral n.º 19, sobre orçamentos públicos para a realização dos direitos da criança: art.º 4.º (2016)
Comentário Geral n.º 20, sobre a realização dos direitos da criança durante a adolescência (2016)
Comentário Geral n.º 21, sobre crianças em situações de rua (2017)
Comentário Geral n.º 22, sobre os princípios gerais relativos aos direitos humanos das crianças no contexto da migração internacional (2017) – em conjunto com o Comité dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes
Comentário Geral n.º 23, sobre as obrigações do Estado relativamente aos direitos humanos das crianças no contexto da migração internacional nos países de origem, trânsito, destino e regresso (2017) – em conjunto com o Comité dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes
Comentário Geral n.º 24, sobre os direitos da criança no sistema de justiça para crianças
Comentário Geral n.º 25, sobre os direitos da criança em ambiente digital (2021) | Em português | Nota Explicativa | Poster
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Debates, decisões, declarações, pedidos de estudos e outras atividades
De acordo com a regra n.º 79 das Regras de Procedimento do Comité, este órgão pode dedicar uma ou mais reuniões das suas sessões regulares ao debate geral sobre um artigo específico da Convenção ou assunto conexo, “a fim de fomentar uma melhor compreensão do conteúdo e das implicações da Convenção.” Estes debates gerais realizam-se no âmbito de reuniões públicas, abertas a representantes dos Estados Partes, agências e organismos das Nações Unidas, ONG, instituições nacionais de direitos humanos, grupos profissionais, meios académicos, grupos de jovens e outras partes interessadas, levando sempre à adoção de recomendações no final. Por vezes, os dias de debate geral têm lugar no contexto da elaboração de Comentários Gerais. Até final de 2017, o Comité dos Direitos da Criança havia organizado 22 debates deste tipo. Veja aqui mais informação.
Com base na competência que lhe é conferida pelo artigo 45.º, alínea d) da CDC, o Comité adota também decisões contendo recomendações de ordem geral. Até final de 2017, havia adotado 17 decisões deste tipo, sobre temas como crianças em conflitos armados, administração da justiça de jovens, crianças sem cuidados parentais, elaboração e apresentação de relatórios estaduais e métodos de trabalho. Veja aqui mais informação.
Nos termos do artigo 45.º, alínea c) da Convenção e da regra n.º 80 das Regras de Procedimento, o Comité pode ainda recomendar à Assembleia Geral que solicite ao Secretário-Geral a elaboração de estudos sobre matérias específicas relativas aos direitos da criança. Pode igualmente solicitar a outros órgãos que lhe apresentem estudos sobre matérias de relevo para o Comité.
Em 1993, foi solicitada a realização de um estudo sobre meios e formas de melhorar a proteção das crianças contra os efeitos adversos dos conflitos armados, que deu origem ao Estudo sobre os Efeitos dos Conflitos Armados nas Crianças da autoria de Graça Machel (publicado em 1996) e, ulteriormente, à criação do mandato do Representante Especial do Secretário-Geral sobre Crianças em Conflitos Armados. Em 2000 – na sequência de um debate temático sobre violência do Estado contra crianças – foi recomendada a realização de um estudo sobre violência contra crianças. Este estudo viria a ser elaborado por Paulo Sérgio Pinheiro e, após apresentação à Assembleia Geral em outubro de 2006, levou à criação do mandato de Representante Especial do Secretário-Geral sobre Violência contra Crianças.
O Comité adota ainda declarações substantivas sobre acontecimentos e situações com impacto na realização dos direitos da criança no mundo.
No final de 2003, o Comité decidiu reintroduzir a prática, abandonada em 1997, da realização de visitas informais aos Estados Partes. Estas visitas visam, quer ajudar a preparar a discussão de um relatório estadual, quer efetuar o seguimento das Observações Finais adotadas na sequência do exame de um relatório.
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Queixas de particulares
O Comité dos Direitos da Criança foi o último dos comités dos tratados de direitos humanos das Nações Unidas a ser dotado de competência para examinar queixas de particulares por alegada violação da Convenção ou seus protocolos facultativos, na sequência da adoção, a 19 de dezembro de 2011, do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança Relativo à Instituição de Um Procedimento de Comunicação (PF-Comunicações), que regula a matéria nos seus artigos 5.º a 11.º. Em janeiro de 2013, o Comité adotou regras de procedimento específicas para a tramitação destas queixas.
As queixas podem ser apresentadas por ou em nome de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos, sob a jurisdição de um Estado Parte, que afirmem ser vítimas de violação, por esse Estado Parte, de qualquer dos direitos estabelecidos na CDC ou nos protocolos facultativos relativos à participação de crianças em conflitos armados ou à venda de crianças, prostituição infantil ou pornografia infantil (art.º 5.º do PF-Comunicações). É recomendado o preenchimento do formulário de queixa adotado pelo Comité em outubro de 2015.
Caso a queixa seja apresentada em nome de um indivíduo ou grupo de indivíduos, é necessário o seu consentimento, a menos que o autor possa justificar o facto de estar a agir em seu nome sem o referido consentimento. De acordo com a regra de procedimento n.º 13, as queixas são admitidas independentemente do reconhecimento, ou não, de capacidade jurídica à vítima no Estado Parte visado. Caso se tema que o consentimento prestado para a apresentação de uma queixa resulta de pressão ou manipulação indevida, o Comité pode solicitar informação ou documentação adicional, nomeadamente a terceiros, a fim de demonstrar que a alegada vítima não foi indevidamente pressionada ou manipulada e que a apresentação da queixa é no superior interesse da criança. Se possível, a alegada vítima será informada da queixa e as suas opiniões devidamente tidas em conta, de acordo com a respetiva idade e maturidade.
Em qualquer momento após a receção de uma comunicação e antes de se pronunciar sobre o fundo da questão, o Comité pode dirigir ao Estado Parte em causa um pedido para a adoção das providências cautelares que considere necessárias a fim de evitar eventuais danos irreparáveis à vítima ou vítimas da alegada violação, o que não prejudica qualquer decisão sobre a admissibilidade da queixa ou o fundo da questão. As decisões do Comité em matéria de providências cautelares são tomadas no prazo de 24 horas. O Comité pode também, a todo o tempo, instar o Estado Parte a tomar medidas para garantir a proteção do queixoso contra quaisquer violações de direitos humanos ou manobras de intimidação ou represália (PF-Comunicações, artºs 4.º e 6.º).
Nos termos do art.º 7.º do PF-Comunicações, o Comité declarará inadmissível qualquer queixa que não preencha os seguintes requisitos de admissibilidade:
a) Seja anónima, embora a identidade da alegada vítima não seja publicamente divulgada sem o seu consentimento expresso;
b) Não seja apresentada por escrito;
c) Constitua um abuso do direito de comunicação ou seja incompatível com a Convenção e/ ou seus Protocolos Facultativos;
d) Incida sobre uma questão que tenha sido ou esteja a ser analisada pelo Comité ou outro procedimento internacional de investigação ou regulação;
e) Seja apresentada sem se terem esgotado todas as vias de recurso internas disponíveis, salvo se o processo relativo a esses recursos se prolongar injustificadamente ou se for pouco provável que conduza a uma reparação eficaz;
f) Seja manifestamente infundada ou não esteja suficientemente fundamentada;
g) Se refira a factos ocorridos antes da entrada em vigor da Convenção ou Protocolo que prevê o direito alegadamente violado e do PF-Comunicações para o Estado Parte em causa, a menos que os factos perdurem após essa data;
h) Não seja apresentada no prazo de um ano após o esgotamento das vias internas de recurso, salvo nos casos em que o autor consiga demonstrar que não foi possível apresentar a queixa nesse prazo.
Para a tramitação das queixas, o Comité estabeleceu um Grupo de Trabalho sobre comunicações composto por nove dos seus membros, que formula as recomendações que julga pertinentes para consideração pelo Comité plenário. Para cada queixa recebida será designado um dos membros do Grupo de Trabalho como relator de caso, que recolhe e examina toda a informação pertinente e propõe ao Grupo de Trabalho as medidas que considera pertinentes, nomeadamente acerca da admissibilidade da queixa e do fundo da questão. O Grupo de Trabalho pode também solicitar a um dos membros do Comité que atue como relator de caso mesmo não sendo membro do Grupo de Trabalho, assim como pedir informações a peritos e outros terceiros.
Todas as queixas apresentadas por crianças são transmitidas pelo Secretariado ao Grupo de Trabalho, sendo a sua receção confirmada por escrito, numa linguagem acessível; as queixas apresentadas por adultos podem ser rejeitadas pelo Secretariado em casos de inadmissibilidade flagrante (por exemplo, comunicações anónimas, que não digam respeito à CDC ou seus protocolos ou apresentadas contra Estados não Partes).
Se a queixa não for declarada inadmissível sem comunicação ao Estado Parte visado, será transmitida a este, confidencialmente e o mais depressa possível. O Estado Parte dispõe de seis meses para se pronunciar por escrito sobre a admissibilidade da queixa e o fundo da questão, apresentando ao Comité explicações ou declarações que esclareçam o caso e indicando, se for caso disso, as medidas corretivas adotadas (PF-Comunicações, art.º 8.º).
Em seguida, o Comité, a pedido das partes ou por iniciativa própria, se o entender adequado, disponibiliza os seus bons ofícios para que se encontre uma resolução amigável do litígio “com base no respeito pelas obrigações definidas na Convenção e ou nos Protocolos Facultativos à mesma”. Se um acordo for alcançado entre as partes, a comunicação será arquivada (PF-Comunicações, art.º 9.º).
Caso contrário, o Comité examinará a queixa, à porta fechada, “o mais rapidamente possível”, à luz de toda a documentação que lhe tenha sido apresentada, mesmo por terceiros, desde que transmitida a ambas as partes. O exame pode incluir uma audiência oral, presencialmente ou por videoconferência. Será dada prioridade aos casos em que tenha sido solicitada a adoção de providências cautelares. Em seguida, o Comité transmitirá às partes em causa, sem demora, os seus pareceres sobre a comunicação, acompanhados, se for caso disso, das suas recomendações (PF-Comunicações, art.º 10.º, nºs 1 a 3 e 5). A linguagem utilizada nas decisões sobre queixas individuais será, tanto quanto possível, adaptada à idade e maturidade das crianças.
Se a queixa disser respeito à alegada violação de um dos direitos económicos, sociais ou culturais previstos na Convenção ou seus Protocolos, o Comité avaliará a razoabilidade das medidas adotadas pelo Estado Parte em conformidade com o artigo 4.º da Convenção, devendo “ter presente que o Estado Parte pode adotar uma série de medidas de política sectorial possíveis para executar” tais direitos (PF-Comunicações, art.º 10.º, n.º 4).
Seguimento: o Estado Parte deverá ter “devidamente em conta” os pareceres e recomendações do Comité e apresentará a este, no prazo de seis meses, uma resposta escrita com informação sobre as medidas adotadas para lhes dar seguimento. O Estado Parte pode ainda ser convidado a incluir informação sobre as medidas adotadas em seguimento aos pareceres do Comité, ou em cumprimento de um acordo de resolução amigável, se este existir, nos seus relatórios seguintes.
No seio do Comité, o seguimento é assegurado pelo relator de caso ou por membros do Comité oriundos da mesma região do Estado Parte visado ou especialistas na área abrangida pela queixa.
Até final de 2017, segundo informação disponibilizada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o Comité havia declarado inadmissíveis quatro queixas de particulares e 31 encontravam-se pendentes.
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Comunicações interestaduais
O art.º 12.º do PF-Comunicações confere ao Comité dos Direitos da Criança competência para receber e analisar comunicações apresentadas por um Estado Parte que alegue que um outro Estado Parte não está a cumprir as suas obrigações decorrentes da CDC ou dos seus Protocolos Facultativos relativos à venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil ou à participação de crianças em conflitos armados.
Para que esta competência possa ser exercida – nunca o foi até hoje, tal como sucede relativamente a todos os restantes comités dos tratados de direitos humanos da ONU – é necessário que ambos os Estados (autor e visado) a reconheçam, mediante a formulação da declaração adicional prevista no art.º 12.º, n.º 1 do PF-Comunicações. Esta declaração pode ser retirada a qualquer momento, mas tal não prejudicará a análise de qualquer queixa já transmitida ao abrigo do art.º 12.º.
O Comité disponibilizará os seus bons ofícios aos Estados Parte em causa tendo em vista uma resolução amigável da questão com base no respeito pelas obrigações definidas na Convenção e respetivos Protocolos Facultativos. O PF-Comunicações não exige, para este tipo de queixas, o esgotamento prévio das vias internas de recurso.
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Inquéritos
Os artigos 13.º e 14.º do PF-Comunicações permitem ao Comité instaurar inquéritos confidenciais caso receba “informação fidedigna da existência de violações graves ou sistemáticas, por um Estado Parte, dos direitos estabelecidos na Convenção” ou nos Protocolos Facultativos relativos à venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil ou à participação de crianças em conflitos armados. Qualquer Estado Parte no PF-Comunicações pode declarar, no momento da assinatura ou ratificação, que não reconhece esta competência ao Comité, declaração esta que pode ser retirada a qualquer momento (PF-Comunicações, art.º 13.º, nºs 1, 7 e 8).
O Comité começa por convidar o Estado Parte a cooperar na análise da informação e, para este fim, a apresentar sem demora observações sobre a mesma; em seguida, tendo em conta toda a informação fidedigna de que disponha, pode designar um ou mais dos seus membros para conduzir um inquérito e informar urgentemente o Comité. Caso se justifique e com o consentimento do Estado Parte visado, o inquérito pode incluir uma visita ao respetivo território. O inquérito é conduzido de forma confidencial, procurando-se obter a cooperação do Estado Parte em todas as fases do procedimento. O Comité pode, após consulta ao Estado Parte em causa, decidir incluir um breve resumo dos resultados do inquérito no seu relatório bienal à Assembleia Geral (PF-Comunicações, art.º 13.º, nºs 1 a 3 e 6).
O Comité analisará as conclusões de tal inquérito e transmiti-las-á sem demora ao Estado Parte visado, acompanhadas de quaisquer comentários e recomendações que entenda dever formular. O Estado Parte em causa deverá dar resposta a tais conclusões, comentários e observações no prazo máximo de seis meses (PF-Comunicações, art.º 13.º, nºs 4 e 5).
Findo este prazo, o Comité pode, se necessário, convidar o Estado Parte em causa a informá-lo sobre as medidas adotadas e previstas em resposta às conclusões do inquérito, autonomamente ou nos relatórios estaduais seguintes (PF-Comunicações, art.º 14.º).
Até final de 2017, segundo informação disponibilizada pelo Alto Comissariado para os Direitos Humanos, não havia indicação da instauração de qualquer inquérito deste tipo pelo Comité dos Direitos da Criança.
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Portugal e o Comité dos Direitos da Criança
Portugal assinou a Convenção sobre os Direitos da Criança a 26 de janeiro de 1990, aprovou-a para ratificação pela resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12 de setembro, e ratificou-a pelo decreto do Presidente da República n.º 49/90, da mesma data. O instrumento de ratificação foi depositado junto do Secretário-Geral das Nações Unidas a 21 de setembro de 1990 e a Convenção entrou em vigor na ordem jurídica portuguesa a 21 de outubro de 1990. Portugal aceitou a emenda ao artigo 43.º, n.º 2 da Convenção (adotada pela Conferência dos Estados Partes a 12 de dezembro de 1995), disso tendo dado conta o Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros n.º 267/98, de 20 de novembro.
Portugal é igualmente Parte nos três Protocolos Facultativos a esta Convenção. O Protocolo Facultativo relativo à Participação de Crianças em Conflitos Armados foi assinado por Portugal a 6 de setembro de 2000, aprovado para ratificação pela resolução da Assembleia da República n.º 22/2003, de 28 de março, e ratificado pelo decreto do Presidente da República n.º 22/2003, da mesma data. O instrumento de ratificação foi depositado junto do Secretário-Geral das Nações Unidas a 19 de agosto de 2003, tendo Portugal formulado então uma declaração estabelecendo os 18 anos como idade mínima a partir da qual é autorizado o recrutamento voluntário nas suas Forças Armadas, para efeitos do art.º 3.º, n.º 2 do Protocolo. Este instrumento entrou em vigor para Portugal a 19 de setembro de 2003.
O Protocolo Facultativo relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil foi assinado por Portugal a 6 de setembro de 2000, aprovado para ratificação pela resolução da Assembleia da República n.º 16/2003, de 5 de março, e ratificado pelo decreto do Presidente da República n.º 14/2003, da mesma data. O instrumento de ratificação foi depositado junto do Secretário-Geral das Nações Unidas a 16 de maio de 2003 e o tratado entrou em vigor na ordem jurídica portuguesa a 16 de junho de 2003.
O Protocolo Facultativo Relativo à Instituição de Um Procedimento de Comunicação foi assinado a 28 de fevereiro de 2012, aprovado pela resolução da Assembleia da República n.º 134/2013, de 9 de setembro, e ratificado pelo decreto do Presidente da República n.º 100/2013, da mesma data. O instrumento de ratificação foi depositado junto do Secretário-Geral das Nações Unidas a 24 de setembro de 2013, tendo Portugal formulado então a declaração prevista no respetivo artigo 12.º, assim reconhecendo a competência do Comité dos Direitos da Criança para o exame de comunicações interestaduais. Este Protocolo Facultativo entrou em vigor para Portugal na data de entrada em vigor na ordem internacional: 14 de abril de 2014.
Marta Santos Pais foi, até hoje, a única portuguesa membro do Comité dos Direitos da Criança, com um mandato exercido entre 1991 e 1997.
Consulte a secção Portugal e as Nações Unidas para obter o texto dos relatórios apresentados pelo Estado português a respeito da aplicação da CDC, observações finais do Comité e documentação conexa, bem como para informação sobre eventuais queixas apresentadas contra Portugal ao abrigo do PF-Comunicações.
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Ficha Informativa n.º 10/Rev.1: “Os Direitos da Criança”
Nesta ficha informativa pode encontrar mais informação sobre a Convenção sobre os Direitos da Criança e respetivo Comité.
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Página oficial do Comité
Mais informação e documentação sobre o Comité dos Direitos da Criança no Portal do Alto Comissariado para os Direitos Humanos
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